domingo, 27 de outubro de 2013
Art. 04 - João do Vale: melhor tarde do que nunca!
Há solenidades e Solenidades, homenagens e
Homenagens, shows e Shows. O que ocorreu em Pedreiras no último dia 25 foi algo
de magnitude, simbolismo e importância histórica ímpar. O ato oficial
comemorativo dos 80 anos de João do Vale precisa ser dissecado em várias
vertentes que fogem à percepção da análise superficial ou da reflexão comum.
João é reconhecido não somente no país como
também mundialmente como um dos mais expressivos, profundos e belos intérpretes
do sentimento popular. Compositor de mais de 400 letras musicais geniais, foi
reconhecido pela maior e mais renomada universidade do país, a Universidade de
São Paulo-USP, como tal, o que lhe rendeu dela ainda na década de 60 o título
de “Poeta do Povo”. Posteriormente recebeu ainda outros epítetos de grande
envergadura como o de “Poeta do seu tempo” e “Maranhense do Século” (2001). É
ainda portador das maiores comendas nacionais, reconhecido e parceiro dos mais
expressivos nomes da música e da poesia contemporâneas, objeto de estudo de
vários cientistas sociais e de teses científicas, tema de vários livros,
monografias, filmes e documentários.
O
evento mobilizou o poder executivo em suas três esferas. O governo do estado
vem há mais de uma semana realizando eventos comemorativos alusivos a ele, mobilizando
os seus principais segmentos para algo de grande porte tal qual o homenageado.
O governo federal através da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos emitiu
um carimbo e um selo comemorativos dos seus 80 anos. E nosso município também o
festeja alegremente com shows temáticos e um concurso de redação. Importante ressaltar que mobilizar os
Correios a lançar um selo desse é como se o homenageado conquistasse uma
cadeira na Academia Brasileira de Letras e assim ganhasse uma passagem para a
imortalidade de sua memória, ou melhor, é a perpetuação de sua personalidade
nos anais históricos oficiais do país. É fazer a nação brasileira, oficial e
institucionalmente, reconhecer e curvar-se à grandeza singular da expressão
artística e pessoal do homenageado. Que outro pedreirense ou maranhense atingiu
tanto? Desconheço. E a história não registra. E temos tantos outros nomes de
grande vulto nacional.
Como ninguém até hoje João foi o que melhor
retratou a alma do povo maranhense. Tem na simplicidade sua marca, tanto no
estilo de vida como nas letras de suas composições. Quem escreve que “a ciência
da abelha, da aranha e da minha muita gente desconhece” com tanta beleza,
simplicidade e profundidade assim tem o estigma da genialidade. E ele era de
fato um gênio! Era tão a frente de seu tempo que viveu alheio à grandeza de sua
genialidade e fama, com extrema simplicidade e despojamento. Tanto que muitos
se revoltam pelo extremo estoicismo e aparente degradação social de seu último
período de vida em Pedreiras e pela falta do reconhecimento de sua grandeza
artística ainda em vida. Não. Não é assim. Não houve injustiça com ele em vida.
Ele era assim, simples e despojado, averso ao renome e bajulação, alheio ao
reconhecimento e status social por
vontade própria. Os gênios são assim. Além disso, a história do comportamento
humano mostra que “o profeta não faz sucesso em sua própria terra” e “santo de
casa não faz milagres”. E analisando a história, todos os grandes homens e
gênios da humanidade não foram em sua própria época reconhecidos por seus
contemporâneos; pelo contrário, foram maltratados e rotulados de loucos e
desprezados em seu tempo pelos seus. A mediocridade não entende a genialidade,
portanto a maltrata e desvaloriza. Temos um exemplo histórico disso nos anais
da ciência. O maior gênio científico reconhecido na atualidade é Albert
Einstein – o maior nome da ciência hoje. E foi retirado à força da escola pela
professora e diretora por ter sido julgado “burro” e incapaz de aprender a
contento em sala de aula. Que coincidência na história pessoal desses dois
gênios! João também foi retirado à força da escola, não por ser julgado
incapaz, mas vítima de uma injustiça social, como ele bem retrata nos versos de
“Minha história”. E tornou-se um ícone da denúncia das desigualdades sociais e
da luta por justiça social nesse país através de suas obras de arte. Então, na
verdade não houve injustiça. O processo histórico natural com pessoas da
magnitude e porte genial de João do Vale é assim mesmo. Tratá-lo em vida
diferente até o faria sentir-se agredido e teria sido uma anomalia, pois na sua
simplicidade residia a expressão maior de sua genialidade.
Lembro-me que quando eu cursava medicina no
Rio de Janeiro no início dos anos 90, li uma matéria jornalística sobre ele
numa revista de grande circulação nacional enquanto eu esperava ser atendido
num cabeleireiro. E como bom pedreirense que sou, cioso e saudoso de minhas
origens, perdido na cidade grande, decidi que procuraria por João no Rio no
bairro que a reportagem dizia que ele estava morando. Tirei um final de semana
para procurá-lo e matar a minha curiosidade de conhecer o mais ilustre nome de
minha terra natal. Encontrei-o morando sozinho com Dona Domingas, ambos em
cadeiras de rodas, numa pobre casa com fogão de lenha no subúrbio de uma cidade
da baixada fluminense, de acesso por estrada de terra e muito mato, região de
extrema pobreza e marginalidade, que de tão longínqua, era onde eram feitas na
época as “desovas” dos corpos das vítimas do crime organizado no Rio de Janeiro.
Era 1992 e uma cena em especial me chamou a atenção e retrata esse perfil de
personalidade peculiar de João: vi numa simples casa do conjunto popular de
Rosa dos Ventos, numa singela, pequena e empoeirada estante de madeira num
canto da sala, a mais alta condecoração brasileira e tantas outras comendas e
troféus dos mais importantes, jogados, sujos, como se não tivessem nenhum
valor.
Os
grandes homens são assim, diferentes da maioria, não seguem os ditames sociais,
não vivem conforme convenção da grande massa ignara. Eles são espírito e não
carne, incompreendidos e intolerados, combatidos e injustiçados, esquecidos
para só depois relembrados, reconhecidos e homenageados. E com João foi assim.
Quando o conheci no Rio e depois aqui convivi com ele, senti que ele viveu e
vivia como gostava e queria, recusava ostentações, se contentava com o pouco e
era feliz. E o importante é isso: ele viveu como bem gostava e como lhe fazia
ser feliz. E por isso foi tão brilhante, pois um infeliz não brilha tanto.
A solenidade no prédio do antigo Palácio
Municipal, hoje sede do Centro Cultural João do Vale, sede simbólica máxima do
poder e da história de nossa terra, para o lançamento do carimbo e selos
comemorativos, com representantes das três esferas dos poderes constituídos da
nação e outras lideranças e setores sociais importantes representados, bela e
expressiva, complementada pelos shows da orquestra filarmônica do Ceará
(Estrela da Serra), Coral São Benedito e “da golada para o Brasil”, que
coroaram a noite com animação e brilho, tudo louvando e elevando a grandeza
artística do grande João, fizeram da data de 25/10/2013 um dos dias histórica e
simbolicamente mais importante de nossa história municipal.
E que o exemplo dele nos motive a continuar
lutando por justiça social em nosso país para que os milhares de “manés, pedros
e romãos” de nossa terra possam alcançar a dignidade humana que todo cidadão
tem direito. E viva nosso João!!!
Allan
Roberto Costa Silva,
médico, ex-presidente da Câmara Municipal de Pedreiras, membro da Academia
Pedreirense de Letras e da Associação dos Poetas e Escritores de
Pedreiras-APOESP. E-mails: allanrcs@bol.com.br
e arcs.rob@hotmail.com
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Brilhante, perfeito e completo.
ResponderExcluirParabéns ao autor pela grandeza de visão e de texto.