segunda-feira, 17 de março de 2014
ART. 06 - Desabafo de um doidão !
Tem
me incomodado muito o assédio das pessoas, especialmente com hipocrisia,
tratando-me como herói após o episódio da cirurgia com sucesso em um paciente
jornalista que sofreu um atentado a bala durante o carnaval. Se não tivesse
sido operado naquele momento, o paciente não chegaria vivo a Peritoró. Não me
envaidece nada disso. Tantos outros casos mais complexos e sem destaque de mídia,
de anônimos, tiveram o mesmo resultado de êxito e não foram destacados. E
realizados por mim e por todos os demais médicos, pois todos nós somos heróis
anônimos todos os dias nas condições em que trabalhamos. Só fiz a minha
obrigação. Não mereço honras por isso. Para isso já sou remunerado pela
prefeitura.
Sei
também que muito maior que essa saraivada de elogios pelo sucesso, seria a brutal
condenação a mim se o procedimento cirúrgico não tivesse atingido êxito, mesmo
que por questões independentes de minha habilidade profissional, e o desfecho
tivesse sido outro. Aí viriam o conseqüente ostracismo e as ilações
irresponsáveis várias sobre minha conduta. E os comentários mais comuns seriam:
“Por que não encaminhou pra Teresina? Só pra matar o cara?! Devia está drogado e
por isso o cara morreu”. Estou acostumado a essa realidade hipócrita e injusta
de que “se o paciente morrer em Teresina foi Deus que quis; já se morrer aqui,
foi o médico que matou”... Triste!
Sei
que muitos dos que hoje aplaudem são os mesmos que precisaram e precisam de mim
sempre, mas que dias antes condenavam o governo municipal por manter um médico
com histórico pessoal de uso de drogas trabalhando no hospital. As mesmas mãos
que aplaudem hoje são as mesmas que apontavam dedos condenatórios dias antes e
que, como posso recair, poderão me condenar de novo tantas outras vezes...
Muitos deles crentes de bíblias embaixo do braço e outros tantos católicos carolas
de hóstias sobre a língua.
O
que não entendem é isso: o que um usuário de drogas mais precisa é de
oportunidade de sentir-se útil e amado, não de dedos o apontando como escroque
e mãos o rotulando de marginal e delinqüente e o empurrando ainda mais para o
fundo do poço que ele já vive.
Muitas
vezes, o que faz o usuário de drogas necessitar anestesiar sua dor intima na
substância de escolha é não suportar a dor de conviver com tanta hipocrisia das
pessoas; apesar do tratamento para a drogadição prever a aceitação disso tudo
como passo imprescindível para a recuperação.
E
saibam mais: Deus honra! E a glória é d’Ele; não é minha não. E é tanto Ele e
não eu, que a honra veio em pleno carnaval, a ocasião mais propícia para eu
estar na farra, quando todos acostumados a me condenar esperavam me ver na
esbórnia.
Estou
acostumado a essa situação em Pedreiras. E isso é próprio da condição humana.
Já atendi aqui por 17 anos uma família inteira, de mamando a caducando, a qualquer
hora do dia e da noite e madrugada, sem ter dia útil ou feriado, fazendo minha
obrigação profissional e muito além, sem nunca cobrar um tostão. E quando uma
vez o resultado do tratamento em um membro dessa família não estava saindo como
queriam, inventaram e espalharam pela cidade que eu propositadamente estava
matando o ente querido deles por questões meramente políticas. Olha a que ponto
vai a irresponsabilidade, a inconseqüência, a insanidade e a ingratidão das
pessoas.
Quantas
vezes não chegam para mim na rua e em consultório me parabenizando pelo médico
de Teresina ter feito elogios a mim ou confirmado minha terapêutica instituída.
E falam cheios de garbo, como se estivessem me fazendo um grande elogio. Não
sabem que eu lastimo isso. Os médicos de Teresina são médicos iguais a mim e
aos demais daqui e do mundo, e eu não estou exposto a avaliação e teste deles
não. Pensam que estão me elogiando e estão me ferindo, porque provam com isso que
não confiavam em mim e precisaram do atestado de um outro qualquer para
acreditar que eu sirvo. E esse outro lá para me confirmar como bom foi pago; e
comigo aqui foi tudo de graça.
Sei
o que sou e do que sou capaz. Não preciso me auto-afirmar. Sou muito consciente
de minhas limitações e de meus potenciais. Elogios não pagam minhas contas. E amigos
sinceros são conhecidos é na hora da necessidade. E são raros.
Como
disse acima, já estou acostumado a isso. Aliás, escolhi para conviver e lidar
diuturnamente com duas atividades que mexem com o pior das pessoas - a política
e a medicina. Na medicina lido com o ser humano em seu pior momento – a hora da
dor, da fraqueza, da falência, da finitude. E na política lido com o ser humano
no seu pior lado, em sua parte mais cruel e sombria de personalidade – a
ganância, a vaidade, o egoísmo, a ambigüidade, a desonestidade e a deslealdade;
tudo muito comum no mundo da política. Mas mesmo consciente e acostumado a
isso, eu tinha que fazer esse desabafo, pois há situações que não podem passar
em branco.
Allan
Roberto Costa Silva, médico,
ex-Vereador-Presidente da Câmara Municipal de Pedreiras, membro da Academia
Pedreirense de Letras e da Associação de Poetas e Escritores de Pedreiras-APOESP.
E-mails: arcs.rob@hotmail.com e
allanrcs@bol.com.br
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Parabéns Alan pelo seu pronunciamento verdadeiro, pronunciamento feito por um grande homem como você, sem sombra de dúvidas um grande profissional que não deixa a desejar dos grandes profissionais das grandes cidades Siga em frente porque Deus esta do seu lado. Um grande abraço e que Deus te ilumine cada vez mais. Não gostei da forma como o blogueiro colocou o título dessa matéria. " Desabafo de um doidão!". Talvez o título sem sombra de dúvidas seria. " Desabafo de um grande médico".
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